Qual a corrente filosófica que mais se aproxima da sua sensibilidade?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Ser Humano começou a sua Terapia Narrativa

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“ O Outono começou hoje! Nada mais certo, porque a cara do tempo não engana… Está de acordo com o calendário e a natureza humana: Cinzentos, nostálgicos, parados, sem nada para fazer, e contudo a passarem e a envelhecerem…. Os dias são desfiados com a velocidade do Tempo…Nem muita nem pouca, a sua própria velocidade… Aquela que se conta no bater do relógio inventado pelo Homem. Podem sentir-se no ar, os odores das folhas cinzentas que se desprendem das árvores como lembranças mal amadas, ou do nosso estado de espírito ressequido por essas memórias de passado que se tornam no presente efémero, para recordarmos no futuro, se o houver… Quando está Sol é mais difícil, pelo menos para mim, guardar qualquer tipo de recordação para recordar do dia de hoje num futuro próximo. Parece que a exuberância da luz faz definhar as saudades nostálgicas…Talvez as memórias não fiquem tão bem gravadas ou registadas no nosso cérebro. Não vão tão fundo, porque não se associam com tanta força e eficácia à cara do Tempo, quando este está bom. Quando está escuro e alguma nuvem temerária se interpõe entre o Sol e a Terra, fazendo um dia cinzento seco, sem brisa e sem chuva, sinto-me como um privilegiado que passou alguns dias de Sol sem possuir a consciência do Tempo que passou, e que goza agora o seu ocaso. O diário que porto desde a minha criação foi escrito de início pela minha mãe, aquela que me deitou no mundo com todos os seus registos hereditários e os do meu pai, todas as minhas coisas boas, erros e imperfeições. Sou um ser humano? Não sei…Às vezes sinto-me diferente dos demais… Não me concebi à priori a mim próprio, só posso ser aquilo que quis ser e quero ser neste momento. Sei isto porque já tenho registado recordações noutras vezes, também em dias cinzentos, as quais guardo religiosamente dentro de mim e as evoco depois passados tempos algures no futuro, com uma certa nostalgia que me dá um prazer quase masoquista mas reconfortante. Meu Deus! Estarei louco? Que bem me sabe esta sensação de poder dominar o Tempo… Como se este pudesse ser dominado… Se nunca o vi nem apalpei…Vi apenas o que se passa através dele, as coisas a mudarem… Não são as mesmas! Contudo no nosso íntimo, bem no fundo de nós, a sua percepção continua a mesma, como querendo fazer das coisas uma mesma substância, natureza imutável feita de bocados de nós. Eterna! O meu diário é feito de bocados de mim. Um bocado tinha eu ainda meses, e foi escrito pelo punho da minha mãe. Outro bocado, mais adiante, já apareço com mais idade. Com dez anos iniciei eu a escrita pela minha mão. Contudo não dominei o Tempo se era isso que queriam saber… Fui escrevendo, sentado nas suas esquinas, olhando de todos os ângulos, para baixo para cima, para trás e para a frente. Cheirando a sua essência e apalpando a sua substância, fazendo esculturas da sua informe génese. Tentando fazer amizade com ele e às vezes chamando-lhe impropérios e até tentando agredi-lo. Nada disto resultou, e o meu bocado de 13 anos assim o confirma, porque escrevi nessa altura no meu diário que já era bem grande em relação a quando tinha meses de idade. Depois o meu bocado de 15 anos que já era mais velho que o de 13 anos, desdenhou desse e escreveu que ainda era maior…. Depois aos 18, e assim sucessivamente e ainda não parei. A minha relação com ele mantém-se inalterável desde o primeiro dia, ou seja: Envelheço! O dia está perfeito.

A minha esperança de o compreender e dominar esbarrou com a minha sensação de finitude, da corrida contra ele próprio. Vejo-me e desejo-me uma coisa, um conceito, sem conteúdo, uma matéria, flutuando no vazio da existência, existindo por ela própria…Independente de tudo e todos, da vontade de Deus e dos humanos, criação e criador. Aqui nisto ninguém poderá tocar! Não pedi isto a ninguém… Tudo antes é escuro e tudo será escuro depois…. Que me interessa a riqueza, o dinheiro e a fama? Nada! Não me interessam nada!  Tudo o que me interessa é a forma de compreender a minha finitude e consequentemente a minha possível opção de imortalidade. São camadas de Universos sobrepostos. Tudo é relativo…Camadas de sistemas entrelaçados, disso ninguém duvide! Não é preciso nenhum génio para o saber ou explicar. O Macro está intimamente ligado com o Micro num interminável jogo de Criação e Destruição…Numa perpétua ordem ou desordem cósmica e Macro cósmica, que não pode ser definida por qualquer conceito que (ainda não) existe. Pois bem, é aqui que me situo, sentado neste intervalo do Tempo, a olhar para uma formiga e pensando: Será que ela pensa? Quanto serão 24horas no seu ciclo vital? O mesmo que para mim ou para o planeta que se situa por cima da minha cabeça? O que será que pode influenciar estes sistemas relativamente perpétuos? O meu diário não será de certeza! A estrela que olhei na inquietude da adolescência continua lá, no mesmo sítio. A mulher que amei está mais madura, mais velha, a formiga que admirei já não existe. E acima do Universo e da Estrela que ainda vejo, neste dia cinzento, estará mais outro Universo, ainda maior que este que vejo…E em cima desse, outro ainda! Como mais uma página de inquietude existencial que experimento como formiga que sou, página a página em direcção aos caminhos da frente do futuro. O espírito envelhece? Eu não vejo o meu espírito a envelhecer embora o tempo tenha passado….Pela simples razão que não consigo ver espíritos…Que mistério indecifrável, que náusea, será aí que se situa o segredo do existir? Não sei… A minha mãe morreu há dez anos…Que descobriu a Espécie Humana, através dos seus mais brilhantes representantes, ao longo do Rio que corre e que constitui a sua existência desde há primórdios? Nada! Esse Rio nasce não se sabe onde e caminha para sitio incerto….Apenas se sabe que de noite se vêm a brilhar alguns pontos luminosos quais pirilampos ao longo do seu percurso.  
Continua

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