Qual a corrente filosófica que mais se aproxima da sua sensibilidade?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"Luana ou a história de alguns Seres Humanos"


O Ser subiu os degraus lentamente… Cabisbaixo… Como se estivesse com medo de ser reconhecido por alguém, ou da sua própria existência. Quando chegou ao cimo, empurrou a porta de mola fazendo soar o “Ding-Dong”, entrou na clínica e apresentou-se à recepcionista. Sentou-se, e esperou algum tempo até ouvir uma voz que o chamou:
    -Sr. Ser Humano? Faça o favor de entrar!
     E o Ser entrou…
     A sala de consulta era acolhedora, com um quadro em tons de azul pendurado na parede por cima do divã, representando um tabuleiro de xadrez que parecia flutuar no espaço. Vácuo… Metade céu, metade mar, onde vagueavam figuras humanas cabisbaixas e de braços caídos como que perdidos no tempo e no espaço. Decerto alguma abstracção do tipo Dali. A ventoinha gigante por cima da sua cabeça arejava o ar, ao mesmo tempo que fazia um som surdo e ritmado, tão monótono e rotativo que servia como um indutor de sonolência ou de paz interior. Tic-Tac! Tic-toc! Tic-tac! Tic-Toc, zzzzzz, zzzzzz, zzzzzz…. Como os ponteiros de um relógio. Dois cadeirões ladeavam o divã, mas o Ser Humano preferiu sentar-se numa cadeira da mesa junto ao canto da sala, de frente para o lugar do Psicólogo. Tirou umas folhas brancas e uma caneta e começou a escrever. As ordens do Terapeuta eram que escrevesse sobre qualquer coisa… De preferência sobre a sua vida, ou sobre os problemas que o atormentavam. Ele ouviu-o explicar que uma coisa eram os seus problemas, e outra coisa ele próprio…Assim o objectivo era a sua “desidentificação” sobre esses mesmos problemas, construindo, se possível, uma alternativa válida aos mesmos. O Ser ouvia, e ia escrevendo ao mesmo tempo, como se estivesse num estado de transe onde tudo tinha deixado de existir. Não havia já conceitos de tempo ou espaço, nem tão pouco de existência. Só apenas uma folha branca e uma caneta, como o destino à espera de ser escrito ali nesse momento em directo com a vida, a morte, e o livre arbítrio de quem só acredita na sua própria liberdade e auto-determinação, ou em si próprio sem se saber vivo ou morto. Que escreveria ele? Afinal estava pagando para escrever…As vozes diziam-lhe para escrever sobre personagens relevantes na sua vida, conhecidas ou desconhecidas. Diziam-lhe também para não ter receio de fazer juízos de valor e de facto sobre tudo o que pensava valer a pena referir na sua narração. Enfim… Para ser ele próprio! O Ser Humano não estava ali para agradar a ninguém, mas somente para fazer uso do seu direito de dizer e narrar. Nem tão pouco para se preocupar com a forma da sua escrita mas somente com o seu conteúdo. Tratava-se apenas de um exercício de narrativa e não de escrever um tratado. Contudo, o Sr. Ser, sempre tinha tido o sonho de escrever um ensaio ou um romance. Só esperava que a sua narração não fosse como arame farpado para quem o lesse…Teria que ser algo mais, onde se pudesse entrar na leitura e compreender-se simplesmente sem grande pretensão de erudição. O homem ali presente era acima de tudo um Ser humano, cheio de erros e problemas. O objectivo era, apenas, deixá-los escritos no papel e exorcizá-los da sua vida real.
     Então a voz do Psicólogo, que se chamava Paulo, soou na sua cabeça como uma alucinação auditiva:
     -Bem…Acho que pode começar a terapia, se faz favor!
     E o Ser Humano, começou a escrever sobre o que o atormentava, afinal ele era como outra pessoa qualquer, e tinha o direito a expressar as suas dúvidas e angústias, mesmo por tão absurdas que o pudessem ser ou parecer. Problemas tais como a sua existência, a sociedade, o sistema económico, ou a Filosofia, eram assuntos que o interessavam e não impediam de comunicar a sua opinião e juízos, por enquanto, sem medo de o internarem num Hospício como esquizofrénico descompensado. Também a política mundial o intrigava enormemente. Ele esboçava sempre um grito de revolta do tipo de pensamento divergente e criativo.
Continua






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